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PIKETTY, SUMMERS E A NOVA MATRIZ

Ilan Goldfain
03/06/2014



Comparando as teses de Thomas Piketty e Larry Summers, sobre a inércia da economia global e seus efeitos sobre a desigualdade o artigo de Ilan Goldfajn, publicado no O Estado de São Paulo, analisa algumas condições sob as quais há maior concentração de renda e aumento da desigualdade.

Porém, enquanto não houver no conjunto a humanidade, a aspiração ao mais elevado nível que o ser humano possa alcançar, não temos com impedir o aumento da miséria que decorre da falta de equilibrio. Todos querem receber, poucos percebem que tudo que recebemos deve ser equilibrado com uma forma justa de retribuição. Para construir de forma benéfica, cada indivíduo deve se preparar, se fortalecer, estudar e reconhecer as leis naturais da Criação, e adquirir confiança na sua inexoravel jústiça.

Leiam o artigo:

“Lembro-me bem do dia em que anunciaram sua contratação no departamento. Tratava-se de um economista francês. Fiquei impressionado como ele era jovem: eu ainda cursava doutorado no MIT. Com 22 anos, ele seria professor de um dos mais respeitados departamentos de Economia do mundo. Não falava muito bem inglês, mas dominava como poucos a teoria e o economês. Acabou voltando para a França três anos depois. Passados 20 anos, o livro de Thomas Piketty - Capital no século XXI -, traduzido do francês, é a sensação do momento. Chegou a ser o mais vendido na Amazon, incluindo os livros de ficção.

O interesse pelos problemas da economia mundial, entre eles a desigual distribuição de renda e riqueza no mundo, está no auge. A falta de crescimento assusta tanto no exterior quanto no Brasil. Assusta porque interrompe o sonho do progresso e da melhoria de vida. O risco é o de adotar políticas que, em vez de aliviarem os problemas, os tornem mais agudos. No Brasil, a adoção do que se denominou a "nova matriz" de política econômica possivelmente magnificou os problemas estruturais.

Nos últimos tempos têm surgido teorias muito interessantes sobre a economia mundial. Vários preveem o pior. A teoria do ex-secretário do Tesouro norte-americano Larry Summers vislumbra uma estagnação secular; a de Piketty projeta uma possível concentração crescente de renda e riqueza com consequências nefastas para o capitalismo moderno. Pode bem ser o caso, mas pode também ser o reflexo da atual conjuntura, extrapolada para o futuro.

Não será a primeira vez que economistas teorizam as mazelas do seu tempo e extrapolam as consequências para o futuro. Os grandes clássicos da economia são um bom exemplo. Thomas Malthus temia as consequências do crescimento populacional e a falta de alimentos para todos. David Ricardo, em 1817, vislumbrava a escassez (e a explosão do preço) das terras. Karl Marx previa o fim do capitalismo com a acumulação excessiva de capital que levasse à natural queda dos lucros ou, alternativamente, à revolta do proletariado. A miséria do começo da Revolução Industrial teve papel relevante em sua obra. O crescimento da produtividade (inclusive da terra) e o progresso tecnológico mudaram o quadro.

O livro de Piketty oferece extensas séries de dados sobre distribuição de renda e riqueza no mundo. Revela, por exemplo, que os 1% mais ricos nos EUA detinham quase 50% da renda da economia em 2010, de menos de 35% entre 1940 e 1980, voltando a níveis do começo do século passado. E que boa parte da concentração advém da diferença salarial entre os altos cargos de executivos e o resto dos trabalhadores.

Outra revelação mostra que a riqueza (acúmulo de ativos financeiros, imóveis, etc.) correspondia na Europa a quase sete anos de renda nacional no final do século 19, caindo para entre dois e três anos entre 1914 e 1945, pela destruição das guerras, e voltando a subir para quatro a seis anos recentemente. Alega que a riqueza de hoje se deve, em boa parte, às riquezas passadas seja por heranças (uma curiosidade: na França as heranças representam 15% do PIB, de "apenas" 5% do PIB em 1950) ou pelo fato de o retorno ao capital exceder a taxa de crescimento da economia (quando a economia cresce, indivíduos sem herança ou capital podem acumular renda e gerar uma distribuição mais equitativa).

Piketty prevê que haja forças naturais na economia para mais concentração de riqueza na mão de poucos. Argumenta que a taxa de retorno do capital deve se manter alta e que a perspectiva de pouco crescimento no mundo torna o futuro ainda mais preocupante.

O crescimento nos últimos anos de fato não é animador. O crescimento do PIB mundial, que já chegou a atingir 4,6% entre 2004 e 2008, recuou para 2,9% nos últimos quatro anos. E a perspectiva é de uma recuperação apenas moderada, para 3,3%, nos próximos anos. Mas há dúvidas mesmo quanto a essa recuperação moderada.

Larry Summers também está preocupado com o crescimento baixo no mundo. O seu receio principal é de que a recente desaceleração seja um fenômeno mais estrutural, e não apenas conjuntural. Teme que a economia mundial esteja entrando num período longo de baixo crescimento - uma estagnação secular.

Argumenta que, mesmo com juros baixos, a economia mundial não consegue se recuperar de forma vigorosa. Ainda há muitas pessoas desocupadas. O problema pode ser que a economia mundial esteja precisando de juros reais ainda mais baixos para poder crescer. Mas o piso de zero para os juros nominais torna essa tarefa mais difícil, requerendo políticas monetárias não convencionais de eficácia limitada.

A razão pela qual a economia mundial precisa de juros baixos é o excesso de poupança, o fenômeno denominado de saving glut. Há uma busca por ativos e projetos que comprime a taxa de juros no mundo.

É interessante que a teoria da estagnação secular se baseie no excesso de poupança que comprime o retorno do capital, enquanto a de Piketty teme o oposto: que a taxa de retorno não seja comprimida à medida que o capital for acumulado. Parece que pelo menos de um dos males não padeceremos.

Não vejo como inexorável um crescimento baixo nem a concentração crescente de renda e riqueza. Sou daqueles que acreditam que a distribuição de conhecimento no mundo (por exemplo, a China adotando tecnologias ocidentais) e o crescimento da produtividade podem nos afastar novamente das previsões mais sombrias. O risco é adotar políticas que exacerbam os problemas. A implementação de políticas expansionistas não convencionais por um longo período de tempo, para lidar com a estagnação secular, pode gerar risco de bolhas. Assim como a adoção de impostos muito altos ao capital, para atingir melhor distribuição, pode desestimular o investimento e afetar o crescimento. É preciso cautela ao desenhar a "nova matriz" de políticas no mundo.”


Fonte: Estadão



Economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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