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MEC para quê?

Walter Vicioni Gonçalves
22/09/2016



 A educação nacional encontra-se em persistente e grave crise. Para agravar esse quadro, três problemas tornam-se cada vez mais preocupantes. Um deles refere-se ao acúmulo e ampliação das funções do Ministério de Educação (MEC), em aparelhamento que reproduz e justifica um perverso centralismo burocratizante. Outro problema sério é o descolamento da política educacional em relação às demais políticas públicas, especialmente as econômicas. Além disso, é preciso promover uma profunda mudança na anacrônica organização da educação nacional.

Um balanço da educação pública em 1932 – encaixado como luva nos dias atuais - mostrava que “dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentado e desarticulado”.

Esse diagnóstico fez parte do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, lançado por um grupo de intelectuais e conceituados educadores, que teve – e ainda tem – importante papel nos estudos sobre o que deve ser a educação brasileira. Aponta problemas que até hoje persistem, entre eles a histórica e permanente tendência para o centralismo administrativo. 

Nesse sentido, o Manifesto adverte que “a organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade”.

Passados 84 anos do lançamento do Manifesto, que balanço podemos fazer da organização da educação nacional e do papel do MEC?

A Constituição Federal e, coerentemente, a legislação educacional, apontam para um viés descentralizador. Apesar disso, observa-se um crescente centralismo das decisões no âmbito federal. 

Nos últimos trinta anos, foi praticamente alcançada a prioridade nacional de universalização do ensino fundamental. A essa meta quantitativa de acesso, no entanto, não correspondeu a dimensão qualitativa de permanência, progressão e conclusão na idade própria, com padrões avançados de qualidade de ensino e aprendizagem. Nesse assunto, o MEC tem mais atrapalhado que ajudado.

Para suprir a falta de professores preparados, destinam-se recursos para estimular a criação de vagas em cursos de pedagogia e licenciaturas. Entretanto, não se exige da faculdade atender a requisitos que certamente garantiriam a melhoria do desempenho do futuro docente. Uma falha gritante é exatamente a ausência de prática durante a formação. Uma solução seria a exigência de manutenção de escola de aplicação, junto a cada faculdade, onde os futuros professores tivessem reais condições de prática profissional. 

O custo das ações – sem o correspondente aumento da qualidade – leva a um desperdício de recursos públicos e a uma descrença da população quanto à melhoria da educação pública. Há, consequentemente, um alto preço pago pela economia do país. 

Um caso flagrante de prejuízo à atividade econômica é o da excessiva e desnecessária burocratização para a inclusão de novos cursos técnicos no Catálogo Nacional, acarretando perda de oportunidades de emprego de jovens e queda da competitividade das empresas. Fica clara a contraposição entre, de um lado, a rigidez e a demora da oferta de um novo curso, e, de outro, a agilidade e a flexibilidade imprescindíveis para atendimento às demandas de um mundo em constante evolução tecnológica.

Quanto à organização da educação nacional, não se pode continuar com o mesmo arranjo vertical da escola – a movimentação temporal dos alunos desde o início até o final do curso, atualmente efetivada por promoção ou reprovação em séries ou anos letivos – e com o mesmo arranjo horizontal – a distribuição espacial dos alunos por classe, por disciplina ou componente curricular. 

É preciso ousar para criar novo sistema, que repense desde a concepção de um Ministério da Educação até a desmontagem de uma arcaica estrutura e de um emperrado funcionamento do ensino brasileiro. Não se pode continuar com as mesmas estratégias e esperar melhores resultados. 

No que se refere a um órgão central da educação, diferentes nações encontraram diferentes soluções.

O Canadá, por exemplo, não tem "ministério" ou "departamento" central da educação. Em vez disso, cada uma das treze jurisdições - dez províncias e três territórios - mantém seu próprio ministério da educação. A coordenação entre o governo federal e as jurisdições é efetivada por meio do Conselho de Ministros de Educação do Canadá. 

Na Finlândia, a educação básica fica a cargo dos municípios. O governo central é responsável pela definição de políticas públicas nacionais, pela legislação e pela coordenação do financiamento da educação. 

Nos Estados Unidos, o Departamento de Educação é o menor dos ministérios do governo americano e cumpre um papel totalmente diferente do correspondente brasileiro, pois, naquele país, a educação é, de fato, descentralizada. O Departamento central limita-se a definir políticas nacionais e a promover a igualdade de oportunidades.

Na Alemanha, a responsabilidade original pela educação é atribuída aos dezesseis  landers - ou estados - que mantêm seus próprios ministérios da educação. O governo federal está presente na promoção de novos programas, especialmente em matemática e educação científica, mas desempenha um pequeno papel no financiamento global da educação.  Em 1964, sem qualquer orientação a partir do governo central, os landers assinaram um acordo que garante uniformidade na estrutura básica da educação alemã. Os assuntos de importância nacional são coordenados pela Conferência dos Ministros da Educação e dos Assuntos Culturais (KMF), da qual participam também senadores que atuam nas comissões de educação.

O Brasil precisa, urgentemente, avaliar e rever o papel e a presença do MEC. Faz todo sentido, dentro do princípio federativo e do atendimento real às demandas locais e regionais, transferir competências e atribuições atualmente exercidas pelo MEC para os sistemas estaduais e municipais. 

Vê-se, pois, que é perfeitamente possível reduzir e simplificar drasticamente as funções atuais do MEC, que se limitaria, com uma estrutura muito enxuta, a continuar realizando a avaliação educacional e a coordenação das políticas e dos sistemas de ensino. Caberia, também, repensá-las, no sentido de tornar válida a hipótese de desaparecimento do MEC.

Entre as inúmeras causas da crise educacional brasileira, sem dúvida, destaca-se a presença desnecessária, dispendiosa e perturbadora de um órgão central para essa área no governo federal. O MEC, na configuração atual, é um retrato perfeito e acabado da hipertrofia do Estado brasileiro.



Especialista em Planejamento e Administração da Educação pelo Institut International de Planification de l'Education (IIPE/UNESCO). É Diretor do SENAI e Superintendente do SESI do Estado de São Paulo.
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