Estive afastado todo este tempo da coleção PSIQUIATRIA+ porque precisei fazer uma revisão do capítulo de saúde mental e comportamental de um livro da American College of Physicians , na edição brasileira, já publicado pela Editora Manole e, depois, escrevi um capítulo sobre dependência de tranquilizantes e hipnóticos, que será publicado pela Editora Atheneu, em breve.
Em vários posts já falei sobre a questão das medicações benzodiazepínicas ("tarja preta") e indutoras de sono, mas é um assunto sempre interessante e bem menos falado do que as outras drogas.
Primeiramente, é importante distinguir entre o que é o uso inadequado destas medicações e a dependência verdadeira, bem mais rara.
Ocorre que as medicações "tarja preta" têm sido cada vez menos recomendadas, pelos especialistas, por vários motivos:
1 - o uso destas medicações tem efeitos colaterais como perturbação da coordenação motora;
2 - quedas;
3 - prejuízo cognitivo (sobretudo da memória)
A grande justificativa para o uso destas medicações é que a ação delas é rápida, tanto como indutores do sono como no alívio da ansiedade.
Entretanto, elas devem ser usadas com várias ressalvas:
1. Para a insônia, no caso de um tratamento prolongado, devem ser tentadas técnicas cognitivo-comportamentais e outras medidas não-medicamentosas. Se não houver sucesso com estas medidas, num primeiro momento se podem usar medicações para dormir, mas por períodos curtos de, no máximo duas semanas.
2. Da mesma forma, para a ansiedade, deve-se preferir medicações com menos efeitos colaterais, sendo os inibidores seletivos de recaptação de serotonina os mais indicados, para uso em longo prazo. Benzodiazepínicos podem ser usados em alguns casos, para tratamentos mais breves de, no máximo 4 a 6 semanas.
3. Estas medicações devem ser evitadas, especialmente, em idosos, nos quais as chances de quedas e de prejuízo da memória já são maiores, naturalmente.
Entretanto, apesar de serem estas as recomendações dos especialistas, ainda se prescreve benzodiazepínicos e hipnóticos com frequência exagerada, inclusive em nosso país:
- Com base em dados do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), entre 2010 e 2012 houve um aumento de 72% na dispensação de cinco tipos de benzodiazepínicos (Alprazolam, Bromazepam, Clonazepam, Diazepam e Lorazepam).
- Num estudo de 2017, em Porto Feliz, no estado de São Paulo, foi constatado que mais de 45% dos idosos usavam benzodiazepínicos.
Estes casos são exemplos do que se chama de uso inadequado. O uso inadequado de benzodiazepínicos ocorre quando o médico prescreve a droga para pessoas acima dos 60 anos; quando o médico prescreve o uso por períodos acima dos sugeridos pelos especialistas; quando os pacientes, por decisão própria, usam os remédios por períodos prolongados ou quando usam medicações de vizinhos, amigos, parentes etc.
EM RELAÇÃO À PRESCRIÇÃO POR MÉDICOS, SEMPRE SE DEVE LEVAR EM CONTA QUE HÁ EXCEÇÕES, que podem ser avaliadas apenas pelo próprio médico.
Ao lado deste uso inadequado, há os verdadeiros casos de abuso e dependência, que ocorrem geralmente quando as pessoas usam os tranquilizantes e hipnóticos para ter barato e para aumentar ou diminuir o efeito de outras drogas abusadas (por exemplo, para aumentar o "barato" ou para diminuir o excesso de estimulação da cocaína). Estes casos são bem mais raros e ocorrem principalmente em indivíduos com quadros muito graves de ansiedade e em usuários de outras drogas e, segundo um estudo 95% das pessoas que abusavam de benzodiazepínicos abusavam também de outras drogas. Por outro lado, num estudo feito em estudantes de 10 a 18 anos, no Brasil, constatou-se que cerca de 5% das meninas e 2,5% dos meninos já haviam usado benzodiazepínicos sem prescrição médica, na vida e, em universitários, cerca de 15% das mulheres e 9% dos homens já havia usado estas medicações sem prescrição médica.
Assim se vê que, apesar de bem menos falado do que a maconha, a cocaína e outras drogas ilícitas, o uso inadequado e o abuso de tranquilizantes e medicações para dormir é um problema bastante sério, no Brasil e no mundo.
Referências:
1. Azevedo ÂJ, Araújo AA, Ferreira MÂ. Consumption of anxiolytic benzodiazepines:correlation between SNGPC data and sociodemographic indicators in Brazilian capitals. Cien Saude Colet. 2016 Jan;21(1):83-90. doi: 10.1590/1413-81232015211.15532014.
2. Fulone I , Lopes LC. Potentially inappropriate prescriptions for elderly people taking antidepressant: comparative tools. BMC Geriatr. 2017 Dec 2;17(1):278. doi: 10.1186/s12877-017-0674-2.
3. EUA Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA). Center for Behavioral Health Statistics and Quality. Substance Abuse Treatment Admissions for Abuse of Benzodiazepines The TEDS Reports, 2008; p. 1-5.
4. Opaleye ES, Ferri CP, Locatelli DP, Amato TC, Noto AR. Nonprescribed use of tranquilizers and use of other drugs among Brazilian students Rev Bras Psiquiatr. 2014 Jan-Mar;36(1):16-23. doi: 10.1590/1516-4446-2013-1180. Epub 2014 Mar 1.
5. Brasil. Presidência da República. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras / Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; GREA/IPQ-HCFMUSP; organizadores Arthur Guerra de Andrade, Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, Lúcio Garcia de Oliveira. – Brasília: SENAD, 2010. 284 p. ISBN: 978-85-60662-37-1