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É O FIM DO LIVRO?

A. P. Quartim de Moraes
30/07/2010



RIR PARA NÃO CHORAR

O desenvolvi­mento da tec­nologia digital e da internet são uma amea­ça ao livro? Es­sa questão seria fascinante se não fosse falsa. O que é, afinal, que estaria com os dias conta­dos? O objeto livro, o livro im­presso em papel, na forma que o conhecemos há mais de meio milênio?
 
Em Não Contemcom o Fim do Livro (Record, 2010, tradução de André Telles), dois famosos bibliófilos e colecionadores de obras raras, o semiólogo e escri­tor italiano Umberto Eco e o roteirista de cinema e escritor francês Jean-Claude Charriè­re, colocam inteligência, erudi­ção e bom humor a serviço do esclarecimento dessa momen­tosa questão, mediados pelo jornalista e ensaísta francês Jean-Philippe de Tonnac.
 
Afirma Eco (página 16): "Das duas uma: ou o livro permane­cerá o suporte da leitura, ou existirá alguma coisa similar ao que o livro nunca deixou de ser, mesmo antes da invenção da tipografia. As variações em torn­o do objeto livro não modificaram sua função, nem sua sintaxe, em mais de quinhentos anos. O livro é como a colher, o martelo, a  roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados. Você não pode fazer uma colher me­lhor do que uma colher."

Ou seja, apesar de sua ima­gem idealizada – às vezes, sacra­lizada – de fonte de lazer, infor­mação, conhecimento, fruição intelectual, o livro, enquanto ob­jeto, é apenas "o suporte da leitu­ra", o meio pelo qual o escritor chega ao leitor. E assim perma­necerá até que "alguma coisa si­milar" o substitua. Saber quan­to tempo essa transição levará para se consumar é mero e certa­mente inútil exercício de futuro­logia. Até porque provavelmen­te não ocorrerá exatamente uma transição, mas apenas a aco­modação de uma nova mídia no amplo universo da comunica­ção. Tem sido assim ao longo da História.
 
Tranquilizem-se, portanto, os amantes do livro impresso. Tal como "a colher, o martelo, a roda ou a tesoura", ele veio para ficar, pelo menos até onde a vis­ta alcança. E não se desesperem os novidadeiros amantes de gadgets. Estes continuarão sendo inventados e aprimorados por força da voracidade do business globalizado. E é possível até mes­mo que algum deles venha a se tomar definitivo e entrar no ti­me do livro, da colher, da roda…
 
Assim, o livro-forma parece prescindir dos cuidados de quem teme por seu futuro. Mas já não se pode dizer o mesmo do livro-conteúdo. Que é o que interessa. Este, sim, corre sério ris­co de soçobrar na tormenta de um mercado movido por insaciável apetite de lucros.
 
É claro que este é um fenôme­no universal, resultante do para­doxo de um extraordinário de­senvolvimento tecnológico ca­paz de globalizar as comunica­ções e a economia, mas absoluta­mente desinteressado de aca­bar com a fome no planeta. Será que são coisas incompatíveis? Faz mais sentido acreditar que seja questão de valores. Valores humanos.
 
Voltando aos livros, quando os valores humanos passam a se traduzir em cifras, os conteúdos dançam e livro bom passa a ser livro que vende. Não é força de expressão. É uma realidade relativamente recentemente no mercado editorial brasileiro, mas conhecida há pelo menos meio século, por exemplo, no dos Estados Unidos.
 
Jason Epstein, diretor da Ran­dom House por 40 anos e um dos fundadores de The New York Review of Books, afirma sobre as transformações do mercado edi­torial norte-americano em mea­dos do século passado: "Durante esse período, o ramo da edição de livros desviou-se de sua verdadeira natureza, assumin­do, coagido pelas desfavoráveis condições de mercado e pelos equívocos dos administradores distanciados, a postura de um negócio convencional. Essa si­tuação levou a muitas dificulda­des, pois publicar livros não é um negócio convencional. Asse­melha-se mais a uma vocação ou a um esporte amador, em que o objetivo principal é a atividade em si, em vez do seu resultado financeiro" (O Negócio do Livro: Passado Presente e Futuro do Mercado Editorial – Record, 2002, tradução de Zaida Maldo­nado, página 21).
 
Segue na mesma linha o edi­tor franco-norte-americano An­dré Schiffrin, durante 30 anos diretor da Pantheon e co-funda­dor, em 1990, em Nova York, da editora sem fins lucrativos The New Press: "Na Europa e nos Estados Unidos, o trabalho de edição de livros tem longa tradi­ção de ser uma profissão intelec­tual e politicamente engajada. Os editores sempre se orgulha­ram de sua capacidade de equili­brar o imperativo de ganhar di­nheiro com o de lançar livros importantes. Nos últimos anos, à medida que a propriedade das editoras mudou de mãos, essa equação foi alterada. Hoje, fre­quentemente o único interesse do proprietário é ganhar dinhei­ro, e o máximo possível" (O Ne­cio dos Livros Como as Gran­des Corporações Decidem o que Você Lê – Casa da Palavra, 2000, tradução de Alexandre Martins, página 23).
 
Por aqui, era inevitável que o ­fundamentalismo de mercado também acabasse se instalando no negócio dos livros. Não faz muito tempo, num painel de edi­tores promovido pela Fundação Instituto de Administração (FIA), com apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL), ficou gro­tescamente evidente a divisão entre os profissionais do ramo. Durante os debates, um jovem e impetuoso autointitulado de­fensor da saúde financeira dos empreendimentos editoriais (eu não imaginava que houves­se alguém contra isso…) lançou indignadamente sobre os do "outro lado" o anátema implacá­vel: “Conteudistas"!
 
Refeito do susto, pude até me divertir com a ideia de pro­por aos do "outro lado" a união em torno de uma nova sigla, a CPC – Confraria dos Perigosos Conteudistas. Pois, como ensi­na o mestre Millôr Fernandes, aliás Vão Gôgo, ridendo castigat mores. Quer dizer: rindo casti­ga-se mais…



A. P. Quartim de Moraes é jornalista e editor – apquartim@dualtec.com.br
Comentários:


Alice M.Carrozzo (alicemcarrozzo@uol.com.br) comentou em 31/07/2010 - 14:07:05

Aprecio o avanço das técnicas,mas quanto ao "LIVRO", não dispenso uma boa leitura com o livro nas minhas mãos!
Gostei do texto.
Atenciosamente,
ALICE


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