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A HISTÓRIA DO DINHEIRO


25/06/2012



Em seu livro mais fascinante, o antropólogo cultural Jack Weatherford retrata a trajetória de nossa relação com o dinheiro desde a época em que o homem primitivo trocava conchas à chegada dos amplamente usados cartões eletrônicos.

O livro explora como o dinheiro e as incontáveis formas de troca afetaram a humanidade. Todos os aspectos de nossas vidas econômico, político e pessoal são influenciados pelo dinheiro.

Autor: Jack Weatherford
ISBN: 8586014257
Ano: 1999
Edição:
Editora: Negócio
Acabamento: Brochura
Tradutor: June Camargo
Número de Páginas: 300
Formato: 16 x 23
Idioma: Português

A Arte do Terror Monetário

Um fantasma está assustando o mundo – o fantasma do dinheiro em sua presença eletrônica, imaterial, que não tem forma nem valor definido. Faminto, ele ronda o globo de dia e de noite, não conhece fronteiras nem as estações do ano. Esse estranho animal apareceu no mundo tão recentemente que nós nem lhe demos um nome. O fantasma que ronda o mundo é feito da vasta, porém invisível nuvem de "dinheiro em forma de energia" que se apressa de uma moeda para outra no estalido de um toque eletrônico ou computador programado. Está tão próximo quanto um cartão de crédito, telefone ou computador, e ainda assim está tão além de nosso controle quanto as marés. Representa uma mistura dos mais básicos desejos humanos, temores e fé.

No despertar do século XXI chegamos a uma encruzilhada na relação entre sociedade e dinheiro – essa força aparentemente animada que os humanos criaram, mas parecem incapazes de controlar. O dinheiro tor­nou-se um artefato global e o eixo de um sistema econômico que domina todas as partes do mundo. Agora que quase todo o comunismo mundial rompeu com seu peso morto, o sistema capitalista – construído com base no dinheiro – triunfou pelo globo. O dinheiro domina não só os sistemas econômicos de produção, propriedade, mão-de-obra e consumo, mas tem uma forte influência sobre quase todos os aspectos da vida privada. Depois de um prelúdio de mais de 200 anos durante os quais os humanos desenvolveram formas elaboradas e variedades de dinheiro e estabeleceram uma ampla variedade de instituições, a história do mundo entrou na era ciber­nética, que pode muito bem ser a era do dinheiro.

O surgimento do sistema global de dinheiro eletrônico com as moedas flutuantes do mundo permite que milhões de dólares sejam transferidos de uma moeda para outra instantaneamente a qualquer momento e em qualquer dia do ano. Em 1995, esse desabrigado dinheiro eletrônico havia ultrapassado 1,3 trilhão de dólares diários em transações à medida que os negociantes abandonavam o dólar, fortaleciam o marco, depois corriam para o iene ou outra moeda momentaneamente popular em algum lugar pelo mundo.

É difícil ter noção do volume de transações medido em trilhões, mas se convertido em notas de um dólar, uma soma de 1,3 trilhão pesaria mais de 32 navios de aço iguais ao Titanic. O novo dinheiro, porém, não precisa de esquadras de navios para transportá-lo pelo mundo porque ele viaja instantaneamente.

O fantasma do dinheiro eletrônico tem muito mais poder do que os maiores bancos e corporações. Ele tem até mesmo a capacidade de forçar os políticos das mais fortes economias mundiais a se submeterem humildemente ao seu desejo irregular e a movimentos imprevisíveis. A direção do fantasma do dinheiro é determinada por milhares de operadores de câmbio, sustentada por milhões de escolhas diárias feitas por indivíduos: ­um americano que decide comprar um carro japonês, por exemplo, ou um russo que compra um televisor coreano, um alemão usando gás natural russo ou um japonês escolhendo um programa de computador americano.

Em qualquer instante do dia, milhares desses operadores estão prontos a reagir, e até mais computadores ficam prontos para comprar e vender assim que os números se alinham no padrão estatisticamente programa­do. As muitas decisões praticamente simultâneas das pessoas pelo mundo criam um amplo suprimento de dinheiro eletrônico que se movimenta como uma revoada de pássaros cuidadosamente treinada e coreografada que alça vôo em um segundo, todos na mesma direção e capazes de mudar o curso no meio do caminho. Essa revoada de moeda viaja pela terra dia e noite, pousando aqui e decolando lá em outra lagoa ou campo do outro lado do mundo.

Crianças da Geração Informática

Os operadores de câmbio que trabalham em escritórios típicos de ope­rações de câmbio alternam o uso de seu tempo indo da ociosidade aborrecedora à atividade frenética. Em um minuto parecem relaxados, com os pés sobre a mesa, ouvindo rock em volume alto nos fones de ouvidos, fazendo piadas e brincando. No minuto seguinte eles passam à ação como se fossem atacados inesperadamente por um enxame de abelhas. Seu foco real não está na sala em si, mas no cyberspace, que podem perceber nas telas dos muitos monitores e terminais à sua frente. De repente, eles estão gritando em dois ou três telefones de uma só vez e correndo de lá para cá, de um monitor a outro. Esses turnos de atividade podem durar alguns minutos ou ser prolongados por vários dias.

Às vezes nem conseguem parar para uma refeição ou mesmo se afastar de suas telas e fones por tempo suficiente para comer um sanduíche, um lanche ou para tomar alguma coisa trazida à sua mesa durante o dia. Oca­sionalmente um deles tem uma mão livre pelo tempo suficiente para apa­nhar uma xícara de café frio que fica sobre sua mesa.

O mercado sem fronteiras nunca se abre ou se fecha – ele apenas pulsa. Não diferencia inverno de verão e não conhece a noite ou o dia. Nunca tira férias, nunca tem feriado, ou sesta, nem mesmo um intervalo para um almoço rápido. Quando os bancos fecham na Suíça à noite, os escritórios já estão abertos para fechar negócios em Tóquio e Sydney. Quando as casas de câmbio fecham em um feriado nacional em Xangai, os escritórios em Londres e Nova York continuam funcionando. Quando os operadores americanos param para o jantar do Dia de Ação de Graças ou os escritórios europeus fecham no Natal. As vendas continuam pulsando em Bombaim, Tel Aviv, Hong Kong e Seul. Escritórios individuais abrem e fecham, e ope­radores individuais se conectam e desconectam, mas o mercado continua funcionando a cada milissegundo, todos os dias. Para atender às deman­das de um mercado assim, os participantes maiores do mercado monetário precisam ficar ativos durante a noite. No interior de bancos sem janela, mas climatizados, de Nova York, na Chicago Merchantile Exchange, em empresas de corretagem em Londres, os operadores atuam 24 horas por dia debaixo de um teto de luzes fluorescentes em meio ao constante ruído de telas de computadores, sons perfurantes de apitos eletrônicos e o la­mento de sirenes.

O mercado monetário é hoje o maior mercado do mundo. O dinheiro trocado no mercado monetário ultrapassa o produto interno bruto das prin­cipais economias do mundo por todo um ano. Em um ano um único centro comercial como a Chicago Mercantile Exchange supervisiona moedas negociando o valor que supera o do produto interno bruto de todo o mundo.

O século XX nasceu com apenas algumas moedas no mundo, e todas estavam atreladas ao ouro. No final do século, existem aproximadamente 200 moedas nacionais variando de dólares americanos a moedas locais que não circulam fora da área controlada por seus governos nacionais. Cada moeda nova trouxe oportunidades para nova especulação, mas as moedas principais continuaram sendo as da Europa Ocidental. América do Norte e Japão com outras entrando e saindo de cena esporadicamente.

O mercado monetário estende-se pelo mundo em uma. formação de rede, mas como qualquer rede, ele tem alguns pontos de ligação particu­larmente importantes como o Mercado Monetário Internacional da Chica­go Mercantile Exchange e na Bolsa de Valores da Filadélfia, os dois maiores mercados de, negociação de moedas nos mercados futuros dos Estados Unidos. Até 500 operadores podem-se reunir nas camadas do pregão em Chicago, e como operadores em qualquer mercado, eles gritam, usam sinais e se vestem de maneiras diferentes para se relacionar com pessoas com as quais esperam fazer negócios – ou seja, vender moedas nos mercados futuros. Assim como negociam contratos a futuro como miúdos de parco, soja ou ouro, os operadores vendem o direito de comprar moedas de um certo país por determinado preço em uma data futura determinada. Se uma empresa solicita produtos que valem 1 milhão de ienes pagáveis em uma data de entrega específica em um ano, a empresa solicitante não quer correr o risco de o iene aumentar em até 15% em um ano. Para assegurar que possam ter 1 milhão de ienes com uma taxa de câmbio razoável, eles compram moedas nos mercados futuros que lhes garante o direito de comprar iene a um preço específico em dólares no ano seguinte. Se o valor do iene sobe, significa que a compra de moedas nos mercados futuros representou economia de dinheiro. Se o valor do iene não sobe, o custo da moe­da a futuro serve como apólice de seguro. Em um mundo de preços de moedas em constante mudança, o mercado de futuros permite que os co­merciantes tenham uma idéia mais clara da extensão de custos e renda que receberão em negócios internacionais futuros.

Quando a negociação de moedas servia somente para facilitar o comér­cio, ocupava escritórios bolorentos de bancos e outras instituições finan­ceiras. Operava na sala dos fundos onde a troca de moedas exigia somente algumas habilidades básicas de escritório e pouca imaginação – pratica­mente o único erro que se podia cometer era nos computadores. Essa obs­curidade pacífica mudou em 16 de maio de 1972 quando o pregão em Chicago abriu como o primeiro mercado de moedas nos mercados futuros.

Embora os pontos de negociação pareçam estar explodindo em ativida­de quando estão funcionando, sua participação geral no mercado de nego­ciação de moedas sofreu declínio. Em comparação com o novo mercado de bastidores do cyberspace, os antigos mercados cara-a-cara são dinossauros no mercado monetário mundial. Não importa quanto equipamento eletrô­nico é instalado no pregão, nem com que meticulosidade codificam as ja­quetas de seus funcionários usando cores, eles ainda abrem e fecham e passam muito mais horas da semana fechados do que abertos. Em meados de 1995, as opções de moedas em toda a Bolsa de Valores da Filadélfia eram em média de lamentáveis 1,5 bilhão por dia, nem perto de ser um grande participante no mercado de trilhões de dólares.

Com a flutuação de moedas em um mercado aberto e com o aperfeiçoa­mento tecnológico dos computadores e comunicações via satélite, nenhum centro único pode dominar o mercado monetário como alguns centros prin­cipais dominam os mercados de ações, os mercados de commodity. os mercados de seguros e bancários. Hoje, as informações de todos esses mercados chegam a um empresário alemão em Cingapura no mesmo ins­tante que chegam a um corretor francês que estiver de férias fazendo um cruzeiro pelo Caribe, um ermitão milionário excêntrico em um ponto da Austrália e um clube de donas de casa investidoras em Minneapolis.

O mercado de câmbio diferencia-se de todos os outros de outra maneira ainda mais fundamental. Em outros mercados, os negociantes trocam produtos por dinheiro, mas nesse, os operadores trocam o dinheiro de um país pelo de outro, sem envolver outros produtos na transação. Eles preci­sam apenas pechinchar a oferta e pedir o preço que desejam. Não preci­sam discutir métrica versus medidas americanas, voltagem preferida ou linhas de expedição. A única quantidade é dinheiro. A troca, seja hoje ou daqui a um ano, será realizada instantaneamente por meio de transferên­cia eletrônica. O mercado de moedas é, portanto, o mercado mais puro de todos. É todo transações e nada produtos. Sem a necessidade de plantar, semear, colher, expedir, manufaturar ou trocar os produtos de qualquer maneira, o mercado de moedas não enfrenta problemas de atraso. Suas transações são instantâneas. Com a velocidade da luz, impulsos eletrôni­cos percorrem o globo, e dólares apressam-se de Cingapura a São Paulo, ienes inundam o Banco Central no Zaire, libras voam para a Alemanha e rands sul-africanos se transformam em dólares canadenses.

Até mesmo com os telégrafos e telefones, levava-se tempo para um anún­cio de aumento nas taxas de juros pelo Banco da Inglaterra chegar a Nova York, Sydney, Buenos Aires e Cape Town. Se o escritório fosse fechado à noite ou em um fim de semana com feriado, as novas informações não seriam registradas até vários dias mais tarde, e isso podia representar vários dias adicionais antes de os jornais conseguirem publicar as informações e disseminá-las para os cantos mais distantes do território. Em um mundo assim, alguns centros dominavam a vida financeira de regiões inteiras e uma área – inicialmente a cidade de Londres e depois a cidade de Nova York – dominava a economia mundial. Redes interligadas de banqueiros, buro­cratas e membros de conselhos administrativos informariam uns aos outros sobre a mudança por contatos telefônicos, mas o público em geral tinha de buscar informações na fonte. Nesse mundo, as próprias moedas mudaram muito lentamente e somente após o governo ponderar cuidadosamente a decisão. Pelo fato de cada nação atrelar sua moeda ao ouro ou à prata, ou a uma moeda mais forte como o dólar americano, a libra britânica ou o franco francês, os valores das moedas do mundo todo permaneceram iguais não meramente durante anos, mas durante décadas.

Grande parte do rápido movimento monetário baseia-se em condições, instituições e preconceitos intangíveis. Tais movimentos freqüentemente refletem a confiança que os investidores têm nos líderes de um país em um momento específico. Eles confiaram em Ronald Reagan para agir como agiu, e conseqüentemente o dólar foi negociado em níveis mais elevados durante sua presidência do que os dados objetivos teriam prometido. Os investidores não tiveram o mesmo tipo de confiança em George Bush e Bill Clinton, provocando a queda do dólar.

Fatores intangíveis como esses provavelmente são responsáveis por cerca de 75% das flutuações monetárias, enquanto apenas 25% podem ser associa­dos a indicadores estatísticos e fatores econômicos realmente quantificados."

A mesma tecnologia que dissemina notícias com tanta rapidez pelo mun­do também permite que aqueles que acabaram de receber as informações tomem decisões rápidas no mercado, enquanto o operador fica no pregão mais agitado de Amsterdã ou telefona de um celular na Patagônia. Especuladores podem comprar e vender moedas em qualquer lugar do mundo pressionando algumas teclas de computador ou clicando sobre um ícone, mas para aqueles aos quais até esse procedimento for lento demais, os pro­gramas automáticos de computador podem eliminar até mesmo essas tare­fas simples. Os operadores programam seus computadores de modo que possam vender dólares automaticamente se o preço superar determinado número. Com cada operador livre para redigir uma estratégia individual de negociação, os programas de computadores assumem formas extremamen­te complicadas e digerem uma enorme quantidade de informações. Os progra­mas podem regular o fluxo mutável de valores monetários bem como as taxas de juros relativas, os níveis de empréstimo do governo, as mudanças em construção de habitações, retornos corporativos, ou qualquer outro fator como temperatura e chuva em regiões agrícolas ou placar de um jogo com seu time favorito.

Bellum Omnium in Omnes (Guerra de Todos contra Todos)

No final dos anos 80 e anos 90, o mercado monetário internacional ofereceu às instituições financeiras uma oportunidade para ganhar dinheiro com um número bem menor de funcionários. Um banco que usava méto­dos tradicionais e oferecia a variedade tradicional de serviços ao cliente precisava de um exército de aproximadamente 5 mil funcionários para administrar depósitos, empréstimos e outras transações que equivaliam a 10 bilhões de dólares. Entretanto, um departamento com apenas 20 pes­soas conseguia cuidar da mesma quantia de dinheiro nos mercados mone­tários, economizando assim os custos com salário, treinamento e custos administrativos de 4.980 funcionários. A cada três dias as instituições fi­nanceiras da cidade de Nova York movimentam tanto dinheiro quanto o que passa por todas as principais corporações norte-americanas durante um ano inteiro. Em um mês eles movimentam o equivalente monetário ao dobro da produção industrial mundial.

Em meados dos anos 90, a negociação de moedas havia-se tornado a maneira mais rápida de ganhar dinheiro. Seguiu uma série de modas, de arbitragem e títulos de alto risco a gleba de terra cultivada. Algumas das maiores corporações internacionais estavam ganhando mais dinheiro com sua especulação monetária do que fabricando e comercializando seus próprios produtos. Instituições financeiras de grandes bancos a governo mu­nicipais e faculdades da comunidade estavam especulando no setor de negociação cambial como uma forma de obter lucros rápidos.

Embora o mercado mundial de câmbio esteja, em tese, aberto a qual­quer participante potencial, na verdade, os participantes da linha de frente tendem a ser jovens, solteiros e do sexo masculino. Somente os jovens parecem capazes de correr os riscos excessivos de movimentar dezenas de milhões de dólares em ativos alheios. Antes de se casarem e sem as exi­gências dos jantares em família, aulas de parto, tarefa escolar das crianças e recitais de música, os rapazes têm total atenção, dedicação e força ne­cessárias para um mercado de vinte e quatro horas.

Apesar da sofisticação eletrônica e sua falta de um local específico e horas de operação, o mercado não é impessoal. Ele responde até com mais sensibilidade e impacto a fatores subjetivos, opiniões, temores e esperan­ças do que outros tipos de mercados. Talvez isso ocorra porque seu merca­do é tão disperso e mecânico que muitos dos principais participantes man­têm comunicação constantemente entre si ao telefone. Eles contatam seus parceiros comerciais em Nova York, Cingapura, Genebra, Frankfurt, Syd­ney e Tóquio na esperança de detectar alguma pequena tendência alguns minutos antes que elas apareçam nas telas ou se tornem públicas na rede financeira internacional. Os maiores participantes devem conhecer seus parceiros e saber interpretar o que dizem bem como o que fazem. A pes­soa do outro lado da linha está dizendo algo importante, confidenciando algo na espera de um favor futuro, ajustando as contas por um favor pas­sado, tramando vingança ou repetindo um rumor infundado? Ele não está ciente da importância do que está dizendo ou apenas se deixando levar por pensamentos ociosos enquanto espera a próxima rodada de ação intensa?

Para obter até uma pequena vantagem sobre os outros, cada operador deve ter dúzias de contatos pelo mundo e conseguir julgar cada um deles atenta­mente. Não existem equipes permanentes funcionando no mercado de câm­bio, mas operadores individuais precisam desesperadamente interagir entre si para avaliar o mercado e negociar vendas. Eles constantemente formam e reformam alianças com propósitos específicos e parcerias que podem ser des­feitas rapidamente em favor de outras. O rival de hoje torna-se o parceiro de amanhã, e o parceiro do dia pode ser o rival da noite. O mercado de câmbio provavelmente chega tão perto do provérbio bellum omnium in omnes – guerra de todos contra todos – quanto qualquer instituição da história.

Aquele que atua no mercado examina minuciosa e constantemente tre­chos curiosos de informações, perspectivas gerais e atitudes vagas que não podem ser quantificadas ou inseridas em um programa de computador. Reu­nindo incansavelmente todos os trechos de informações personalizadas em um setor em constante mudança, os participantes esperam permanecer ape­nas alguns segundos à frente dos outros.

Os humanos raras vezes inventaram uma ferramenta que não utilizaram. No processo de criação dessa ampla rede de máquinas e programas e na capacitação de si mesmos em responder com tamanha rapidez, os atuantes do setor financeiros também criaram seu próprio imperativo de usá-la cons­tantemente. Não sendo mais capaz de esperar até segunda-feira de manhã ou mesmo até o nascer do dia, o operador precisa reagir instantaneamente a um mercado mundial no qual alguns milissegundos podem determinar a diferença entre lucro e perda e alguns minutos podem significar a diferença entre solvência e falência. O imperativo da velocidade das novas tecnologias intensificou a mentalidade grupal dos operadores e aumentou a tendência do capital de se movimentar em massa. Não mais capaz de digerir informa­ções por alguns dias antes de agir, os negociantes precisam tomar decisões imediatas para separar fatos de rumores ou para prever como os japoneses reagirão diante da notícia do aumento da balança comercial alemã. Para qualquer operador que estiver em dúvida e for incapaz de refletir adequada­mente sobre a questão, o melhor caminho é seguir a multidão. Em vez de aprender a avaliar os diversos trechos de informações financeiras que cons­tantemente passam pelo computador e pelas linhas telefônicas, os operado­res aprendem a ler os sinais de outros operadores. Respondem não tanto aos relatórios corporativos, outros mercados e anúncios do governo, mas às ações de outros operadores.

Para os operadores de câmbio, é mais importante prever a reação do mercado do que saber o real significado de uma informação. Mesmo que um operador acredite que a queda momentânea das taxas de juros na França não é muito importante, se ele pensar que outros operadores con­siderarão importante, ele também deve agir como se fosse.

A mentalidade grupal dos operadores aumenta a massa e o poder do grande corpo flutuante de dinheiro que circula pelo mundo. A massa e poder maiores, por sua vez, aumentam a importância de qualquer movi­mento que o mercado adote. Como os operadores são incapazes de agir delicada ou ligeiramente, as decisões correm rapidamente com o silêncio e delicadeza de um rebanho de gnus. Uma agitação momentânea de repente torna-se um grande estrondo dos dólares para o franco suíço e marco ale­mão. Cada movimento produz tumultos financeiros que rapidamente pe­netram por toda parte da economia, Com o grande impacto que tais movi­mentos podem ter sobre a moeda de economias amplas e poderosas como os Estados Unidos e Japão, o efeito pode ser absolutamente mutilador se o grupo decidir abandonar o peso mexicano, o dólar neozelandês ou a lira italiana, ou se tiver interesse inesperado na compra de rublos russos, li­bras egípcias ou dracmas gregos.

“AIDS de Nossas Economias”

Na conferência dos chefes de Estado das sete maiores potências reali­zada em Halifax, Nova Escócia, em junho de 1995, o presidente francês Jacques Chirac expressou suspeita geral dos mercados de moedas quando chamou a especulação monetária de "a AIDS das nossas economias". O que ele deixou de dizer foi que os próprios governos são a fonte dessa doença econômica.

Com tantos participantes e somas de dinheiro tão grandes em jogo, alguns devem perder. Estranho como possa ser, porém, parece que os prin­cipais integrantes estão todos lucrando nesse jogo. Ocasionalmente uma grande agência de investimentos passa por uma grande reviravolta ou um banco quebra, mas em grande parte todos eles parecem estar lucrando com a especulação monetária mais do que com outros investimentos mais conservadores.

Em vez de ser um meio para o mercado, o dinheiro tornou-se o mercado. Conforme escreveu William Greider, "o dinheiro pretendia ser o agente neural do comércio. Agora tornou-se o mestre neurótico".

Ao abandonar o padrão do ouro e abandonar as taxas de câmbio defini­das pelo acordo firmado na Conferência Internacional Monetária de Bretton Woods de 1944, os governos do mundo concordaram em deixar as moedas de cada país encontrar sua própria taxa de câmbio. Os governos nacionais ainda tentam influenciar o ritmo a curto prazo, mas não têm o poder de controlá-lo. Uma maneira como influenciam é pelas taxas de juros que pagam por seus títulos. Por exemplo, se os Estados Unidos oferecem um retorno maior do que a Alemanha, mais investidores precisarão de dólares para comprar títulos americanos e menos investidores precisarão de mar­cos, valorizando o dólar em relação ao marco. Assim como as corporações às vezes compram suas próprias ações para diminuir sua disponibilidade e aumentar a demanda, elevando assim o preço, os governos podem influ­enciar as taxas de câmbio de suas moedas. Seu banco nacional pode com­prar grandes quantidades de sua própria moeda em uma tentativa de ele­var o preço, ou pode vender grandes quantidades no mercado internacional para forçar uma queda de preço.

Apesar desses esforços, os governos não podem conter o fluxo do merca­do. Quando o peso mexicano foi afetado em 1995, o presidente Clinton apres­sou-se com um pacote de 53 bilhões de dólares, mas esse demonstrou ser pequeno demais para salvar o peso no mercado monetário internacional. A economia mexicana desempenha um papel relativamente pequeno no cená­rio mundial e sua moeda tradicionalmente foi uma moeda “soft”, mas mes­mo os banqueiros políticos das maiores nações conseguiam fazer melhor. Não importa quantos recursos eles ofereçam para manter o marco ou o dólar em um valor específico, se todos os investidores acreditarem que irá mudar e estiverem esperando tal mudança, o governo só pode combater o senti­mento do mercado por um período de tempo relativamente curto. Em última instância, vence a opinião do mercado.

Mesmo quando vários países combinaram seus esforços para controlar o mercado, eles ainda não foram capazes disso. Em 22 de setembro de 1985, os Estados Unidos, representados pelo secretário do tesouro Donald Regan, e os ministros das relações exteriores do Japão, da Alemanha, da Grã-Bretanha e França encontraram-se na cidade de Nova York. Do impo­nente Plaza Hotel anunciaram um acordo entre todos os cinco governos para permitir uma lenta desvalorização do dólar. O mercado respondeu imediatamente à palavra desvalorização e ignorou a palavra lenta, afundando o dólar em novos níveis.

Grandes instituições financeiras como Salomon Brothers, Citibank, ING Barings Bank ou Goldman Sachs às vezes podem lançar mão de práticas semelhantes para aumentar o valor de uma moeda ou contê-lo por um tempo. Apesar dessas influências a curto prazo, a longo prazo o mercado opera como resultado de milhares de decisões de milhares de instituições e investidores diferentes agindo com base em suas próprias informações, análises e interesses individuais bem como metas e necessidades. Os perdedores no jogo às vezes são outras grandes instituições financeiras. Em grande parte, os perdedores são os contribuintes cujos governos estão tentando impulsionar uma moeda quando a maré está contra ela ou conter seu valor para proteger as exportações.

Operadores como investidores privados devem ser mais rápidos e pers­picazes. Se perderem dinheiro constantemente, perderão seus clientes. Os bancos nacionais não operam sob quaisquer restrições. Em última análise, eles trabalham para o governo e o objetivo do governo não é lucrar, mas seguir uma política monetária específica por um tempo – para expandir ou restringir a provisão monetária, para conter a alta da moeda nacional ou deixar que sofra redução. Os banqueiros-burocratas então julgam seu de­sempenho não com base em quanto dinheiro eles ganharam ou perderam, mas com base em como atingiram a meta política. Se perderem dinheiro, perda é considerada culpa do mercado, não deles. Os contribuintes, sabendo disso ou não, devem pagar a conta – é parte do preço do governo. Desse modo, o governo subsidia a negociação cambial e especulação. Sem a intervenção do governo, haveria pouquíssimo lucro nesse empreendimento. Quanto mais os bancos do governo lutam para controlar o mercado monetário, mais dinheiro pode-se ganhar em especulações monetárias, já que o governo está quase sempre tentando ir contra o mercado.

No final o ano, quando instituições apoiadas pelo governo mostram seus ganhos e perdas resultantes das negociações, os números podem fa­zer parecer que estão concorrendo – portanto ganhando ou perdendo ­com outras instituições quando, na verdade, estão apenas perdendo. A Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos e o Federal Reserve têm consi­deravelmente menos poder de controlar o valor do dólar do que o banco italiano de controlar a lira ou o governo tailandês de controlar o baht. Quantomais uma moeda é negociada, menos poder qualquer governo tem sobre ela. Quanto menos ela for negociada, mais poderosa e significativa passa a ser qualquer intervenção específica. Conforme explicou o ex-operador Ted Fishman, mesmo que um operador ganhe, ele perde enquanto cidadão: "Sou perdedor enquanto cidadão e contribuinte, contanto que a Secretaria do Tesouro e o Federal Reserve continuem gastando fundos públicos em intervenções.

Os operadores que agem contra os burocratas ganharão praticamente sempre. Os investidores e banqueiros irão derrotar os funcionários do governo e seus conselheiros econômicos. A negociação cambial na última década do século XX deu novo significado e novo cinismo ao comentário de Voltaire de que "em geral, a arte do governo consiste em tirar o máximo de dinheiro possível de uma parte dos cidadãos para dar à outra.

A História do Dinheiro – Jack Weatherford
Negócio Editora (p.255 à 267)



Comentários:


Fernando comentou em 25/06/2012 - 18:06:17

Os Bancos Centrais e Tesouros Nacionais de todos os paises devem produzir urgentemente novas leis para acabar com o mercado futuro, que na realidadre sao simplesmente "apostas". Isso tinha obviamente que se transformar num gigantesco cassino. Ainda e' possivel haver um novo consenso internacional para a proibicao dessa especulacao "pseudo-legal" que atualmente é praticada sob a protecao de "leis especiais" para beneficiar tal jogo de azar. A palavra especular ja traz o mal em seu conceito, ja que especular significa "tirar vantagem" o que nao toa com honestidade. Lembrem-se que criminosos e apostadores sempre andam de maos dadas!

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