Desde a metade do século 20, o arsenal de medicamentos, antes restrito a fórmulas quase mágicas, deu lugar a terapias que podem paliar a dor, melhorar a qualidade de vida e prolongá-la.
O desenvolvimento de novas drogas requer dinheiro e pessoal qualificado. Embora governos possam investir em pesquisa, não teríamos a quantidade de drogas atual, não fosse a indústria farmacêutica, que aplica quantias bilionárias e deseja o retorno financeiro.
A lógica capitalista permitiu o desenvolvimento de medicamentos para diabetes, colesterol, hipertensão, tuberculose e Aids que hoje são disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde), tratando doenças que antes roubavam milhares de vidas.
Essa mesma lógica criou dois grandes problemas. O primeiro deles são as drogas de alto custo, que produzem rombos nas finanças públicas. Geralmente são drogas destinadas às doenças pouco frequentes. A explicação é simples: os laboratórios precisam recuperar o capital investido no desenvolvimento e ter lucro.
Deixar de lado meias verdades e debater a incorporação de novos medicamentos e tecnologias com a participação de órgãos públicos, sociedades médicas e especialistas é o único caminho para prover a melhor assistência. Exemplos anteriores também mostraram que é possível negociar preços com os laboratórios.
O segundo problema é menos conhecido, mas muito mais grave e insidioso. Trata-se das drogas de baixo custo que, por não darem uma margem de lucro adequada, ou mesmo por causarem prejuízos aos fabricantes, estão sendo retiradas do mercado. Quando essas drogas faltam, mesmo quem tem muito dinheiro não é capaz de comprá-las, pois, em muitos casos, há um desabastecimento mundial.
Nos Estados Unidos, uma centena de drogas corre o risco de desabastecimento. O presidente Barack Obama envolveu-se nesse problema e, desde 2010, diversas ações foram tomadas. No Brasil, o Ministério da Saúde tem uma lista com mais de 20 drogas sob risco de descontinuação.
Na maioria dos países, as legislações não previram que um remédio pudesse simplesmente deixar de ser fabricado. No Brasil, mesmo que um medicamento seja essencial e o fabricante ou importador seja único, basta um aviso com antecedência de poucos meses à ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para retirá-lo do mercado.
A L-asparaginase, medicamento essencial no tratamento das leucemias linfóides agudas, está deixando de ser fabricada. Ainda assim, existe um substituto à altura, que, embora bem mais caro, apresenta vantagens em relação ao produto original. O desabastecimento de drogas vem sendo debatido com órgãos do Ministério da Saúde, particularmente o Inca (Instituto Nacional de Câncer), com a participação de diversas sociedades médicas.
Entre as sugestões apresentadas por um grupo que se formou para estudar o problema estão mudanças na legislação que obriguem os laboratórios a informar exatamente qual a causa da suspensão da droga e ampliem o prazo de notificação, de forma que o governo possa ter tempo suficiente para contornar o problema.
Outra sugestão é facilitar a importação e o registro de drogas essenciais com regime de impostos diferenciado. Com essas mudanças, os laboratórios públicos poderão se planejar para produzir drogas essenciais e eventualmente exportar o excedente.
O problema já é conhecido e as soluções foram apontadas. Drogas essenciais, sem nenhum substituto, podem faltar em breve. É preciso rapidez em implantar as soluções. Uma silenciosa catástrofe ameaça a vida de milhões de brasileiros.
Fonte:
Folha de S.Paulo