Cerca de 10 a 20% das pessoas adultas e, segundo alguns estudos, mais de 50% dos idosos sofrem de algum tipo de insônia. Por outro lado, cerca de uma em cada cinco pessoas apresenta algum transtorno ansioso. Finalmente, cerca de um quarto das pessoas com insônia apresenta algum tipo de problema de ansiedade grave. Por este motivo, é extremamente frequente que as pessoas venham ao consultório médico com este tipo de queixas. No afã de ajudar, é muito comum o médico ou a médica prescrever os “famosos” remédios “faixa preta”.
Trata-se de drogas do grupo dos benzodiazepínicos (abreviados como BDZ). Estas medicações começaram a ser produzidas a partir do início da década de 60 do século XX e, como são medicações muito seguras (isto é, as doses habituais e mesmo doses mais altas possuem baixa toxicidade), passaram a ser prescritas com grande liberalidade.
Apesar de que, logo no início, observaram-se indícios de que poderiam causar dependência e, com isto, houve certa diminuição no número de prescrições, elas continuaram sendo as medicações psiquiátricas mais prescritas.
Entretanto, no nosso século, começaram a surgir algumas evidências mais graves em relação a esses remédios: além da dependência, poderiam causar problemas de coordenação motora e equilíbrio e deficiências de memória. Por exemplo, estudos mostraram que, em pessoas acima de 60 anos, o índice de quedas era duas vezes maior naqueles que usavam BDZ e, em relação à memória, surgiram indícios de que os prejuízos causados poderiam não desaparecer totalmente, mesmo após a interrupção do uso da medicação. Um estudo francês recente, conduzido em mais de 1000 pessoas, durante 15 anos, observou que os riscos de demência eram cerca de 50% maiores naqueles que haviam usado BDZ.
Este tipo de constatação levou a uma certa diminuição na prescrição de BDZ.
Entretanto, a partir da década de 80 do século XX, foram produzidas medicações hipnóticas chamadas de “drogas z” (pois todas elas possuem uma letra z em seus nomes), que passaram a ser preferidas para o tratamento dos quadros de insônia. Entretanto, apesar de não serem da família dos BDZ, seu modo de ação é o mesmo e, assim, seus riscos também. Infelizmente, não só se viu um aumento da prescrição dessas medicações como, no Brasil, a mais usada, o zolpidem (este é o nome químico, existem várias marcas diferentes) pode ser vendido sem a “receita azul”, mais difícil de obter.
Assim, o tratamento de quadros de ansiedade e insônia tem feito um uso indevido (“misuse”) dessas drogas, apesar de existirem outros tratamentos eficientes e menos danosos para esses transtornos.
Soma-se a todas essas observações que, em países como os EUA, essas drogas vem sendo usadas com frequência cada vez maior como drogas de abuso (ou seja, para dar “barato”). No Brasil, não se tem estatísticas exatas deste tipo de uso mas, por exemplo, um levantamento entre estudantes universitários das capitais brasileiras, publicado em 2010, constatou que mais de 12 por cento dos estudantes tinham usado tranquilizantes alguma vez na vida e quase 6 por cento haviam usado no mês anterior ao da entrevista. Sites na internet, oferecendo BDZ a preços até vinte vezes acima daqueles praticados em farmácias, também são sugestivos de que haja pessoas fazendo uso abusivo dessas drogas de modo recreativo no Brasil.
Resumindo, além de nos preocuparmos com as drogas de abuso ilícitas, como o “crack” e a cocaína em pó, as lícitas como o álcool e o tabaco, devemos lembrar que vários tipos de medicações podem também causar dependência e ser usados de forma abusiva.