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BOLA DE NEVE DE MOEDAS

Benedicto Ismael C. Dutra
16/11/2010



Em meio à confusa situação planetária, na qual já se nota a dificuldade para que ocorram diálogos proveitosos, o FED, Banco Central americano, decidiu que irá recomprar títulos de longo prazo emitidos pelo governo, em poder dos investidores, liberando US$600 bilhões de dólares congelados em títulos de rendimento próximo de zero, o que por certo não é um bom negócio, a menos pelo fator segurança que até agora a medida inspirou.
 
No passado, muitos governantes se viram na contingência de emitir dinheiro para fazer investimentos ou comprar dólares dos exportadores, como ocorreu no Brasil, na época da elevada dívida externa, ou para pagar juros e dívidas. E, sempre que o meio circulante é aumentado artificialmente, desorganiza-se a economia e ganham os espertos, pois o poder de compra do dinheiro vai diminuindo com o aumento geral de preços que penaliza os que possuem dinheiro em espécie, não aplicado, e que vivem de rendimentos fixos. É o que chamamos de inflação.
 
O que o FED pretende fazer agora para dinamizar a economia americana é algo inédito na história do papel moeda, e por isso mesmo os efeitos são imprevisíveis. Papel moeda em excesso sempre traz confusão. Aos países emergentes, não resta muito a ser feito, mas a China tem cacife para fazer apostas. No caso, o FED anunciou que pretende recolher títulos e injetar dólares que deveriam reativar a estagnada economia americana. Os dólares seriam para criar internamente a sensação de riqueza, dando movimento à economia. Externamente, espera-se que as valorizações das moedas incentivem as importações de mercadorias procedentes dos Estados Unidos. Uma inundação de dólares em busca de oportunidades especulativas que deixa os demais países perderem a margem de manobrar sua política monetária.
 
Os EUA não podem introduzir barreiras alfandegárias para forçar o BUY AMERICAN, pois sempre defenderam o livre comércio. Para reduzir seus déficits e enfrentar a China, que manipula abertamente o valor de sua própria moeda para exportar fazendo dumping, os EUA resolveram emitir dólares para desvalorizar sua moeda, tornando suas exportações mais competitivas a fim de coibir a China e países similares desse procedimento de exportar a preços artificiais e acumular reservas em dólares, procedimento esse que ajuda a controlar a inflação interna.
 
Para os países com moeda valorizada como o Brasil, a consequência será o favorecimento da entrada de produtos importados chineses e agora, quem sabe, também americanos. No caso do Brasil, há a política de pagar os juros reais maiores do mundo a baixo risco. Isso está depenando a economia brasileira que não tem controle dos gastos públicos e destrói sua indústria, o que provocará retrocesso de 100 anos, à época da economia exportadora de insumos, o que induz a queda mais à frente de novos empregos, sem falar em déficit nas contas externas.
 
Evidentemente, trata-se de um artificialismo que visa transferir para outros as contas dos desajustes. A população não compra mais só porque os juros são insignificantes. Antes há que haver maior segurança na oferta de empregos. Mas como investir em produção, quando há uma grande oferta de bens a preços competitivos? A economia mundial poderá ser empurrada para um desequilíbrio ainda maior, afetando a vida de toda a população.
 
É sabido que o dinheiro não dorme, por isso, façamos um exercício de imaginação. O excesso de dólares não vai ficar parado como os títulos, sairá pelo mundo em busca de bens que não se depreciem e que produzam ganhos. Isso poderá provocar o surgimento de bolhas, mas nos países onde o dinheiro adentrar, provocará redução do poder de compra no mercado local, favorecendo as aquisições de produtos importados em dólares que vão ficando cada vez mais baratos. O Brasil lançou mão da elevação do IOF, como declarou o ministro da Fazenda Guido Mantega, para tentar atenuar os excessos que possam ser cometidos pelos aplicadores de curto prazo ansiosos pelo ganho fácil com os juros elevados.
 
Todos estão preocupados com a capacidade que os Estados Unidos têm para emitir dólares à vontade, e com a China, que tem reservas graúdas e a moeda colada ao dólar. Até quando as indústrias poderão resistir à concorrência dos importados com dólar mais fraco?
 
Reservas e Aquisições
As reservas da China, as maiores do mundo, aumentaram em US$ 194 bilhões entre julho e setembro, a maior alta trimestral já registrada pelo país, para US$ 2,65 trilhões, tendendo a se expandir com o aumento das exportações e controle do consumo interno via aumento da taxa de juros. Trata-se de uma reserva consistente, não como a nossa, sujeita a evaporar na primeira vacilada.
 
Com sua extraordinária reserva disponível, a China está apta a fazer aquisições em todos os continentes. Nos Estados Unidos, com balança deficitária, e a liberação dos dólares aplicados em títulos do governo, a disponibilidade poderá ter expansão ilimitada. Isso é mais complexo de que uma simples guerra cambial. Mais parece uma guerra econômica pelo controle e concentração das riquezas mundiais, afetando todos os demais países. Os mercados estão sendo invadidos pelos dólares.
 
Juros Elevados
Governos como o do Brasil, cujas contas estão desequilibradas, estão tentando enxugar gelo com toalha, comprando dólares com emissão monetária, e retirando os reais do mercado vendendo títulos com juros atraentes, aplicando os dólares adquiridos em papeis com rendimento próximo de zero. É fácil de perceber que é uma operação que não faz sentido pela perda que acarreta. A conta será paga pela população, e avalia-se que o custo já ronda a casa dos 45 bilhões de reais. Quanto mais dólares comprar, mais chegarão, a menos que possamos reduzir a taxa de juros acabando com a festa. A entrada de capital volátil só causa danos. Que venham capitais para investir e produzir.
 
O que se pode esperar disso é uma enorme bola de neve de moedas que não vai parar de crescer e vai se concentrar em poucas mãos e ampliar a miséria. Tudo isso como resultado de um sistema monetário artificial sem parâmetros estáveis de conversão, e por isso mesmo sujeito a todo tipo de manipulações. O dinheiro passou a ser usado amplamente não apenas para financiar a produção e consumo, tornando-se uma poderosa arma estratégica de influência e dominação. A sua aplicação deveria se concentrar em investimentos que propiciem o bem estar e o progresso da população, gerando bens e empregos, mas ao invés disso, é manipulado para ganhos escorchantes e promoção de jogos de poder.
 
Falta uma visão humanística indispensável para a paz e o progresso mundial. Estamos diante de uma situação de desequilíbrio no comércio internacional que vem de longa data, agravado pelo desequilíbrio monetário e cambial, e que deu maus resultados em passado não muito distante. Os desequilíbrios econômicos, sociais, ambientais e cambiais serão acentuados ainda mais. O saneamento desses desequilíbrios requer uma nova ética comercial.
 
Uma nova ética
Cada país precisa se esforçar e ser apoiado para manter o equilíbrio em suas contas. No passado, alguns economistas propuseram isso como meio para alcançarmos um progresso mais harmonioso, gerando esforço para um desenvolvimento de qualidade no preparo das novas gerações e na produção de bens. Assim como as famílias e empresas não podem subsistir gastando acima de suas posses, também os estados soberanos deveriam ter obedecido a essa máxima do bom senso.
 
Os países precisam de liberdade para produzir naturalmente, sem as ardilosas manobras que inviabilizam a produção e comercialização de bens a preços compatíveis com os custos. Os consumidores terão que ser mais seletivos e disciplinados, buscando bens de que efetivamente necessitem. O mundo precisa de um intercâmbio equitativo, indispensável ao progresso harmonioso entre os povos. No entanto, num momento em que a natureza se mostra insuficiente para atender as demandas humanas, a economia mundial se encontra diante de um desequilíbrio de difícil solução. E se a economia não reagir, o que virá depois da inundação de dólares e produtos chineses? Mais produção de armamentos para recuperar a combalida economia? Então poderemos estar perto do fim.
 
São muitos os indicadores sugerindo que algo bem desagradável nos aguarda num futuro não muito distante. Parece que estamos diante de uma cegueira geral. Os líderes, do alto de suas posições, continuam tomando decisões importantes com a mesma displicência de sempre. Permanecemos orientando as novas gerações de uma forma irreal, como se fosse ao tempo de Alice no País das Maravilhas. As condições de vida estão se alterando profundamente e, além disso, não estamos preparando nossos jovens adequadamente para um futuro próximo, que se apresenta com muitas restrições e dificuldades.



Benedicto Ismael Camargo Dutra é graduado pela Faculdade de Economia e Administração da USP, faz parte do Conselho de Administração do Hotel Transamerica Berrini e é associado ao Rotary Club de São Paulo. É articulista colaborador de jornais e realiza palestras sobre temas ligados à qualidade de vida. É também coordenador dos sites www.vidaeaprendizado.com.br e www.library.com.br, e autor dos livros: “Nola – o manuscrito que abalou o mundo”;“2012...e depois?”;“Desenvolvimento Humano”; “O Homem Sábio e os Jovens” ,“A trajetória do ser humano na Terra – em busca da verdade e da felicidade”; e “O segredo de Darwin - Uma aventura em busca da origem da vida”(Madras Editora). E-mail: bicdutra@library.com.br; Twitter: @bidutra7
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