Mata é importante para manter chuvas que abastecem lavouras do centro-oeste; autorizar mais desmate com nova Lei é tiro no pé.
O agronegócio sairia ganhando se visse a Amazônia como “galinha dos ovos de ouro”. Se a floresta morre, as chuvas na região secam, e o lucro evapora junto. É o que pensa o biólogo americano Thomas Lovejoy, 69, pioneiro nas pesquisas sobre a região amazônica.
Quando visitou a floresta pela primeira vez, em 1965, ele era um jovem biólogo à procura “da maior aventura possível". Pai de gêmeas cariocas, de férias no país, defendeu que o cuidado com a Amazônia seja parcelado entre várias nações.
Folha - O sr. afirma que a devastação na Amazônia pode chegar a um limite, a partir do qual o sumiço da floresta seria um caminho sem volta. Estamos perto?
Thomas Lovejoy - O Banco Mundial pôs US$ 1 milhão num estudo que projeta pela primeira vez os efeitos de mudança do clima, queimada e desmatamento juntos. Os resultados sugerem que poderia haver um ponto de inflexão em 20% de desmatamento [da floresta original]. Estamos bem perto, 18%.
Isso significa que áreas do sul e sudeste da mata vão começar a secar e se transformar em cerrado. É como jogar uma roleta de “dieback” [colapso] na Amazônia.
Folha – Com o desmatamento subindo de novo, qual é o prazo para esses 20%?
Thomas Lovejoy - Não fiz cálculos, mas não tomaria muito tempo. Pode ser cinco anos, se continuar assim. Claro que [a devastação] traz implicações para os padrões de chuva, incluindo as áreas agroindustriais de Mato Grosso e mais ao sul, até o norte da Argentina.
O ex-governador [Eduardo] Braga [AM] costumava dizer ao ex-governador [Blairo] Maggi [MT]: “Sua soja depende da chuva no meu Estado”.
Folha – Quais as consequências para a agricultura?
Thomas Lovejoy – Agricultura e economia teriam menos chuvas. E elas dependem da chuva. Talvez não em São Paulo, mas mais ao oeste, com a água passando pelas hidrelétricas, em projetos como Belo Monte.
Folha – O sr. estuda a Amazônia há mais de quatro décadas. Quais previsões deram certo e quais passaram longe?
Thomas Lovejoy – Meu primeiro artigo sobre a Amazônia, escrito em 1972, chamava-se “Transamazônica: estrada para a extinção?”. Não acho que alguém tinha a capacidade de imaginar a soma de desmatamento que ocorreu. Lembro quando as primeiras imagens de satélite saíram, nos anos 1980. Todos ficaram surpresos.
Também houve boas surpresas. Uma é a força da ciência brasileira aplicada na Amazônia. A outra é a consciência pública, que em geral é bastante alta no Brasil. E também a extensão das áreas protegidas, incluindo as demarcações de fronteiras indígenas. Tudo isso junto protege 50% da Amazônia, o que é impressionante.
Folha – Do jeito que está, o novo Código Florestal pode impedir o crescimento na produção de alimentos?
Thomas Lovejoy – Não acho que precisemos enfraquecer o [atual] Código Florestal para aumentar a produção agrícola no Brasil.
No caso do gado, o uso médio da terra na Amazônia é de uma cabeça por hectare. Essa é a média mais baixa em qualquer lugar do mundo.
É uma questão de organizar a imensa capacidade da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], um dos centros líderes de agricultura no mundo.
Folha – Comparado com os EUA, o Brasil tem legislação ambiental rígida. Lá, sequer estão na mesa criar coisas como a reserva legal. Pode soar paternalista dizer o que deve ser feito por aqui?
Thomas Lovejoy – Só estou tentando pensar no que faz sentido para o Brasil, não necessariamente no que faz sentido o Brasil fazer para o resto do mundo. O atual Código Florestal é um dos mais visionários do planeta.
Nos EUA, temos de pagar o preço de não ter tido essa visão há muito tempo. E também não temos florestas tropicais, mais sensíveis.
Economia e ecologia têm a mesma raiz grega: “oikos”, que remete a “casa”. Não existe ser no planeta que não afete seu ambiente sem consumo e produzir desperdício. A questão da sustentabilidade está nos detalhes de quanto e como se faz isso.
Folha – Qual a sua avaliação do governo Dilma no debate?
Thomas Lovejoy – Até agora, parece muito prático, sério. Como ela vai responder a qualquer que seja o Código Florestal será, claro, um grande teste. Mas ter deixado claro que o governo Dilma não aprovaria a anistia [aos desmatadores] é um sinal bem positivo.
O que é perigoso, na lei, é a ideia de dar o poder de demarcar as reservas legais aos Estados. Se você vai administrar a Amazônia como sistema, precisa ser consistente.
Folha – O sr. conhece a senadora Kátia Abreu, uma das vozes da bancada ruralista?
Thomas Lovejoy – Não conheço, mas diria a ela: “Você precisa tomar cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro”. E o ovo de ouro é a chuva.
Folha – O caos nas finanças globais tira os holofotes da questão ambiental?
Thomas Lovejoy – Geralmente, quando há forte recessão econômica, muitas das coisas que causam problemas ambientais se enfraquecem. Alguns dos motores do desmatamento, como os preços da soja e da carne, enfraquecem quando a demanda é menor.
Folha – O Brasil é capaz de cuidar sozinho da Amazônia?
Thomas Lovejoy – O BNDES tem de ser cuidadoso com os projetos de infraestrutura, pois há todos os outros países [amazônicos]. O Brasil não deveria segurar a responsabilidade sozinho. A Amazônia é um elemento-chave no funcionamento do mundo. É do interesse de outros países ajudar o Brasil.
Folha – Já chamaram o sr. até de espião da CIA. Há paranóia sobre um complô internacional para ‘roubar’ a Amazônia?
Thomas Lovejoy – Isso não tem fundamento. A pior forma de biopirataria é destruir a floresta.
Folha – Parte da comunidade científica minimiza o papel do homem no aquecimento global. O que o sr. acha?
Thomas Lovejoy – Não há quase nenhum cientista com credibilidade que acredite nisso. Nos últimos 10 mil anos, a história climática do planeta foi bem estável. Agora, nós o estamos mudando. Está claro que 2ºC a mais é muito para a Terra.
Raio-X
Thomas Lovejoy, 69
Nascimento
Nova York
Cargo
Presidente de ciência do GEF (Fundo Ambiental Global), é diretor de Biodiversidade do Centro Heinz para a Ciência, Economia e Ambiente, professor da Universidade George Mason (EUA)
Carreira
Foi conselheiro-chefe de biodiversidade no Banco Mundial. Trabalha na Amazônia desde 1965
Formação
Mestre e doutor em biologia pela Universidade Yale